sábado, 28 de dezembro de 2013

Honestidade

Por Marcelo Mascarenhas

VAMOS começar por um rio. Depois vamos nas frutas desse rio e depois na Honestidade.

Margem Oeste do Murray River (South Australia) e em oposição (Victoria)
Hoje eu conheci um rio daqui. Dei até uns mergulhos nas suas águas barrentas, mas limpas. O ponto que o atingimos fica, seguindo para Leste, a aproximadamente 80 km de Adelaide.

O rio é chamado Murray River. É o mais expressivo rio australiano em extensão (2508 km) e considerado o Nilo da Australia. Ele alimenta importantíssimo sistema de irrigação para agricultura, nos Estados de Victoria, New South Wales e South Australia (onde Adelaide se situa). Além de ser o mantenedor do sistema de abastecimento de água de grande parte desses Estados - inclusive toda Adelaide (1.2 milhões de habitantes). Entre os produtos do rio figuram lã, algodão, trigo, gado, arroz, vinho, frutas e vegetais.

Plantação de Pera em Adelaide Hills  

No caminho da ida, percebi as plantações de frutas como, uva, ameixas, maçã, pera, pêssego e cerejas. Na volta, demos uma “stop” para comprar umas. Deixamos a pista principal e entramos numa pequena chácara onde vendem as frutas frescas. Todas as portas da propriedade abertas! Fomos entrando e entrando. Não avistamos um vivente sequer. A princípio pensei que é porque hoje é sábado e não é dia próprio para trabalhar aqui.

Aqui é uma “venda”. Tem os preços de cada saco e um “cofre” 
(Money here please – Dinheiro aqui por favor)  e não tem vendedor por perto

Chegamos na “venda” propriamente dita. Estavam lá as frutas, os preços e uma espécie de cofre, onde se poderia colocar cédulas e moedas. Entretanto, não tinha o vendedor nem ninguém por perto. Após um “how does it work?” (como funciona isso?) e uma resposta “honesty and trust” (honestidade e confiança), eu entendi. As pessoas apenas confiam na sua honestidade e esperam ela de você. Então pegamos as frutas e colocamos o dinheiro no “cofre”. Problema seria se fosse preciso troco. Já seria outra história, né?

Semelhante ideia acontece no transporte público de Adelaide. Dois fatos interessantes. Primeiro, há diferentes preços de passagens. A terceira idade para um valor, trabalhador paga outro e estudante para outro (menor valor). E eles usam cartão eletromagnético quando da hora de pagar a passagem e de recarregar. O que me chamou atenção foi que esses cartões são vendidos nas lojas comuns, por pessoas comuns e não tem fiscalização do governo. Fui comprar o meu, então, num dia desses. Entrei na loja e pedi uma concessão para estudante. Apenas isso e consegui o cartão. E se eu não fosse estudante? Claro que teria podido comprar o cartão para estudante. Fica a seu critério! No entanto, às vezes eles fazem inspeção nos ônibus (randomicamente) e checam alguns passageiros se estão com o correto cartão. Caso você esteja incorreto e seja pego, terá que pagar severa multa.

Segundo, não tem cobrador nos ônibus nem catraca. Os motoristas vendem o ticket, caso você não tenha cartão (poucos não têm). Ahh... eles não passam o troco com o ônibus em movimento. Após você passar pelo motorista, você fica à vontade para validar sua passagem (passar o cartão). O recomendado é fazê-lo logo que entrar no ônibus. O motorista jamais vai obrigar você a validar. Novamente aqui fica a seu critério (e risco) não pagar a passagem. E também aqui existe a possibilidade de fiscalização e possível muita.

É... uma vez esqueci de validar uma passagem, mas para minha sorte nunca vi a fiscalização.
Penso que não preciso falar o que acho. Que o leitor fique à vontade para pensar nisso e tentar ver se isso funcionaria no nosso Brasil. E por que não funcionaria?

Nota do Blog: Marcelo Mascarenhas, muito bom o seu texto. Mais do que um texto, uma inquietação. Uma vez na faculdade de Física um dos meus professores disse que, quando estudava numa universidade da Europa, tinha lá uma sala com tudo para os estudantes disporem. A sala era aberta a todos e não tinha funcionários lá. Tinha, isso sim; livros, borrachas, cadernos, folhas e afins para qualquer que quisesse dispor de qualquer objeto. Daí que quem quisesse pegava e depois devolvia de modo honesto a sala tudo o que pegava, ditado pela consciência e honestidade. Ao que o nosso professor indagou: "E se fosse no Brasil?" e completou: "Certamente o pessoal rasgava tudo, riscado, pichava e não devolviam mais nada!". Então a pergunta soa bem. E se fosse no Brasil?

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