domingo, 23 de março de 2014

Evidências da inflação cósmica

Por Ulisses Capozzoli

Uma descoberta intrigante, anunciada esta semana por cientistas americanos, certamente passou despercebida pela maioria das pessoas em meio ao noticiário sobre o avião perdido da Malaysia Airlines e a crise político-militar na Ucrânia, entre outros temas diários da mídia.

Trata-se da evidência da manifestação da chamada “inflação cósmica” teoria proposta pelo físico americano Allan Guth, em 1981, para explicar, entre outros pontos, o que os físicos chamam de “quebra de simetria cósmica”, um processo que separou matéria e antimatéria e permitiu a preponderância da matéria que forma o universo conhecido e estruturas como nossos próprios corpos, as nuvens que flutuam na atmosfera e as borboletas com seus voos aparentemente erráticos.

A inflação cósmica também está por trás de um fenômeno que os cosmólogos chamam de isotropia cósmica, ou seja, uma propriedade de o Universo mostrar-se como um todo homogêneo a observadores, independentemente da direção de observação, o que significa ausência de uma direção privilegiada.

A inflação cósmica teria ocorrido, segundo prevê a teoria, numa fase extremamente rápida (algo impensável para a mente humana, ainda que possa ser registrada como uma notação matemática) que se seguiu ao que ficou consagrado como o “Big Bang”, a manifestação de uma singularidade (quase sempre referida como uma explosão, daí o termo Big Bang) que deu origem ao Universo segundo essa cosmologia.

Este intervalo de tempo tem sido estimado como 10^-35 a 10^-32 segundo após a explosão primordial, quando o volume do Universo teria se expandido por um fator da ordem de 10^50, um crescimento tão acelerado que também está fora da compreensão humana por ausência de qualquer relação com a experiência diária que mantemos com as coisas do mundo.

Apenas para se ter uma idéia, é como se o diâmetro de um próton (partícula do núcleo atômico, ou núcleo do hidrogênio) passa abruptamente para o diâmetro de uma laranja e daí para, por exemplo, ao diâmetro da Lua, num movimento de expansão cósmica que já dura pelo menos 13,7 bilhões de anos, a idade científica do Universo.

Antes da manifestação da inflação, três das forças fundamentais da Natureza (força nuclear forte, força nuclear fraca e a eletromagnética) se encontravam unificadas em uma única.

A quarta das forças fundamentais da Natureza é a gravidade.

O cenário proposto pelos cosmólogos é que a temperatura (outro parâmetro impensável pela mente humana) apenas 10^-35s após o Big Bang caiu para 10^28 K e a simetria entre matéria e antimatéria foi rompida com a separação das forças fundamentais.

A evidência da inflação cósmica foi obtida a partir de perturbações no que os cosmólogos chamam de radiação cósmica de fundo em microondas, uma espécie de remanescente térmico do calor original produzido pelo Big Bang.

Um paralelo para se aproximar dessa idéia é imaginar, por exemplo, uma fogueira de uma festa junina e as cinzas que sobraram dela no dia seguinte.

O esplendor da fogueira é o Big Bang e as cinzas do dia seguinte a radiação cósmica de fundo.

A descoberta de evidências da inflação cósmica foi anunciada por uma equipe de cientistas americanos de um projeto chamado Bicep2, utilizando telescópios localizados no Pólo Sul, no coração do continente antártico, que fazem o monitoramento constante de uma pequena região do céu, tarefa facilitada pela posição privilegiada do pólo.

A equipe, com a participação de Allan Guth, o “pai” da teoria da inflação, relatou ter encontrado os vestígios da expansão cósmica acelerada observando a radiação cósmica de fundo que teria sido perturbada por ondas gravitacionais que percorreram o espaço-tempo nessa fase da infância cósmica.

O grupo diz que não apenas as marcas foram identificadas como são mais intensas que seria de se esperar.

A descoberta, que se confirmada é candidata fortíssima ao Prêmio Nobel de Física, lembra a detecção da própria radiação cósmica de fundo por um processo conhecido como “serendipidade”, algo parecido a uma pura coincidência, ainda que não possa ser reduzido a esta condição e que também justificou um Prêmio Nobel para os físicos Arno Penzias e Robert Wilson que então trabalhavam para os Laboratórios Bell, em meados dos anos 60.

As crises estampadas nas manchetes diárias dos jornais, evidentemente, não podem ser negligenciadas, e neste caso estão incluídos processos que vão do aquecimento global à ameaça no abastecimento de água de uma megalópole como São Paulo, indiretamente afetada por mudanças climáticas.

Mas, até mesmo para obtenção de energia de ânimo para enfrentar os fracassos anunciados a cada dia pelos economistas, como se o mundo não fosse durar mais que uma semana, certamente é saudável e necessário mergulhar no que pode se chamar de “misticismo matematizável”, idéias à primeira vista exóticas, mas que podem ser, e quase sempre são, corroboradas pela coerência das equações físico matemáticas.
Fonte: blogdasciam

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