*Wagner Iglecias e Mariana Ruivo
Neste domingo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicou um
artigo nos jornais O Globo, O Estado de São Paulo e Zero Hora, entre
outros, que parece ser o esboço do que virá a ser o programa do PSDB
para a campanha eleitoral à presidência da república. Entre as velhas
receitas tucanas de sempre relativas à gestão pública e ao papel do
Estado na economia, FHC discorreu bastante sobre política externa e
sobre o lugar que imagina como ideal para o Brasil na ordem
internacional.
Ele enumera o que seria sua visão sobre política externa para o
Brasil hoje: o retorno do alinhamento automático aos declinantes EUA e à
decadente Europa, a entrada na ultra-liberal Aliança do Pacífico
(comandada pelos EUA) e por conta disso a conseqüente e inevitável
relativização das nossas relações com a China, e o distanciamento em
relação aos governos sul-americanos mais à esquerda. Para completar, o
maior intelectual da direita deste país cita o México como potência
emergente. Faltou lembrar que depois de 20 anos do NAFTA, o acordo de
livre comércio com os EUA, o México hoje em dia importa até milho do
vizinho do norte e é atualmente um país em crise profunda, com
altíssimos índices de violência e com mais de 51,4% de sua população
vivendo abaixo da linha da pobreza, segundo dados do CIA World Factbook,
o site da Central de Inteligência Americana. Sobre países
sul-americanos governados pela esquerda, FHC acena com a palavrinha
mal-conhecida nestas plagas mas que tanto assusta o eleitorado típico de
seu partido: bolivarianismo. Que não fosse a vitória da economia de
mercado em todo o mundo estaria hoje para os setores conservadores da
nossa sociedade como a palavra comunismo esteve para estes mesmos
setores nos anos 1960.
Sobre a necessidade de maior alinhamento com EUA e Europa, nenhuma
novidade. FHC aos oitenta anos de idade é, neste assunto, o mesmo FHC
dos sessenta e poucos, quando exerceu a presidência da república, e o
mesmo FHC dos trinta e poucos, quando desenvolveu sua versão da Teoria
da Dependência, pela qual imaginava que o futuro do Brasil seria,
necessariamente, o desenvolvimento associado e dependente aos países
mais ricos do mundo. Não que nestes três momentos de sua produção
intelectual FHC discordasse da necessidade de maior aproximação com
outros países e regiões do mundo, mas para ele isto sempre seria
secundário como estratégia de desenvolvimento para o país.
Exatamente ao contrário disso têm sido os anos petistas no comando
da nação. Não que Lula e Dilma tenham se distanciado dos EUA e da
Europa, mas, antes, buscaram, sobretudo Lula, aproximar o Brasil de
outros países e regiões do mundo. Uma das maiores características do
governo Lula foi a multilateralização nas relações externas e a ênfase
na participação ativa do país nos grandes centros de decisão na esfera
mundial. Comparada ao governo FHC, foi uma postura marcada pela busca de
novas parcerias politicas e econômicas além da tradicional relação
Norte-Sul. Durante os oito anos de governo houve uma concreta e
crescente atuação em órgãos e agências de âmbito mundial, como no
Conselho Segurança da ONU, reafirmando o desejo e a candidatura do país à
uma cadeira como membro permanente; na OMC – com a Rodada de Doha, nas
missões de paz , com destaque para a Missão de Paz no Haiti, além do
fortalecimento das alianças Sul-Sul – parcerias estratégicas com a
China, Índia, África do Sul, Rússia, além de maior aproximação com
vários países africanos e do mundo árabe. Em relação à América do Sul,
avançou-se na questão da Unasul e o Brasil, ainda que não sem percalços,
consolidou a região como sua plataforma de projeção no cenário mundial.
Com um viés mais burocrático, no governo Dilma Rousself temos tido
uma política exterior mais conservadora e sem voos mais arriscados. Ao
que tudo indica, parece ter havido uma concentração nas decisões de
política externa nas mãos da presidenta – tirando do Itamaraty a
autonomia que tanto o caracterizava. Além disso, parece que ela tem
estado mais ocupada com a política doméstica e a economia do que com a
política externa. No entanto, nada indica a volta de um alinhamento tão
pronunciado, como defende FHC, com os EUA e a Europa.
Num mundo multipolar, composto por grandes blocos, e no qual
diferentes países e regiões vão emergindo como os novos pólos dinâmicos
da economia mundial, é frustrante ver a defesa da volta ao alinhamento
automático com as velhas potências do século XX. Pra completar, em seu
artigo FHC ainda critica a privatização light feita por Dilma e defende o
seu modelo mais hardcore de venda dos ativos públicos para a iniciativa
privada. Bem vindos aos anos 1990, pessoal!
*Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP.
*Mariana Ruivo é Mestranda no Departamento de Ciência Política da USP e pesquisadora da área de Política Internacional
Fonte: JornalGGN
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