Produção de sentido
por Frei Betto (publicado originalmente em Brasil De Fato em 23/04/2013)
Muitos pais se
queixam do desinteresse dos filhos por causas altruístas, solidárias,
sustentáveis. Guardam a impressão de que parcela considerável da
juventude busca apenas riqueza, beleza e poder. Já não se espelha em
líderes voltados às causas sociais, ao ideal de um mundo melhor, como
Gandhi, Luther King, Che Guevara e Mandela.
O que falta à nova
geração? Faltam instituições produtoras de sentido. Há que imprimir
sentido à vida. Minha geração, a que fez 20 anos de idade na década de
1960, tinha como produtores de sentido Igrejas, movimentos sociais e
organizações políticas.
A Igreja Católica, renovada pelo Concílio
Vaticano II, suscitava militantes, imbuídos de fé e idealismo, por meio
da Ação Católica e da Pastoral de Juventude. Queríamos ser homens e
mulheres novos. E criar uma nova sociedade, fundada na ética pessoal e
na justiça social.
Os movimentos sociais, como a alfabetização
pelo método Paulo Freire, nos desacomodavam, impeliam-nos ao encontro
das camadas mais pobres da população, educavam a nossa sensibilidade
para a dor alheia causada por estruturas injustas.
As organizações
políticas, quase todas clandestinas sob a ditadura, incutiam-nos
consciência crítica, e certo espírito heroico que nos destemia frente
aos riscos de combater o regime militar e a ingerência do imperialismo
usamericano na América Latina.
Quais são, hoje, as instituições
produtoras de sentido? Onde adquirir uma visão de mundo que destoe dessa
mundividência neoliberal centrada no monoteísmo do mercado? Por que a
arte é encarada como mera mercadoria, seja na produção ou no consumo, e
não como criação capaz de suscitar em nossa subjetividade valores
éticos, perspectiva crítica e apetite estético?
As novas
tecnologias de comunicação provocam a explosão de redes sociais que, de
fato, são virtuais. E esgarçam as redes verdadeiramente sociais, como
sindicatos, grêmios, associações, grupos políticos, que aproximavam as
pessoas fisicamente, incutiam cumplicidade e as congregavam em
diferentes modalidades de militância.
Agora, a troca de
informações e opiniões supera o intercâmbio de formação e as propostas
de mobilização. Os megarrelatos estão em crise, e há pouco interesse
pelas fontes de pensamento crítico, como o marxismo e a teologia da
libertação.
No entanto, como se dizia outrora, nunca as condições
objetivas foram tão favoráveis para operar mudanças estruturais. O
capitalismo está em crise, a desigualdade social no mundo é alarmante,
os povos árabes se rebelam, a Europa se defronta com 25 milhões de
desempregados, enquanto na América Latina cresce o número de governos
progressistas, emancipados das garras do Tio Sam e suficientemente
independentes, a ponto de eleger Cuba para presidir a Celac (Comunidade
do Estados Latino-Americanos e Caribenhos).
Vigora atualmente um
descompasso entre o que se vê e o que se quer. Há uma multidão de jovens
que deseja apenas um lugar ao sol sem, contudo, se dar conta das
espessas sombras que lhes fecham o horizonte.
Quando não se quer
mudar o mundo, privatiza-se o sonho modificando o cabelo, a roupa, a
aparência. Quando não se ousa pichar muros, faz-se tatuagem para marcar
no corpo sua escala de valores. Quando não se injeta utopia na veia,
corre-se o risco de injetar drogas.
Não fomos criados para ser
carneiros em um imenso rebanho retido no curral do mercado. Fomos
criados para ser protagonistas, inventores, criadores e revolucionários.
Quando
Hércules haverá de arrebentar as correntes de Prometeu e evitar que o
consumismo prossiga lhe comendo o fígado? "Prometeu fez com que
esperanças cegas vivam nos corações dos homens”, escreveu Ésquilo. De
onde beber esperanças lúcidas se as fontes de sentido parecem
ressecadas?
Parecem, mas não desaparecem. As fontes estão aí, a
olhos vistos: a espiritualidade, os movimentos sociais, a luta pela
preservação ambiental, a defesa dos direitos humanos, a busca de outros
mundos possíveis.
Frei Betto é escritor, autor do romance "Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros.http://www.freibetto.org- twitter: @freibetto.
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