por Cassionei Petris
No
seu livro Aula, Roland Barthes afirma
que “é no interior da língua que a língua deve ser combatida, desviada: não
pela mensagem de que ela é o instrumento, mas pelo jogo de palavras de que ela
é o teatro.” A literatura, nesse sentido, faz um “trabalho de deslocamento
(...) sobre a língua.” Esse tipo de ideia de literatura leva em conta seu
caráter artístico, de elaboração da linguagem, sendo que ela não é apenas “uma história
bem contada”, no caso da narrativa, ou uma “sequência de versos rimados”, no
caso da poesia. Dispor as palavras de forma elaborada e complexa cria uma forma
de linguagem a que podemos chamar doravante de Literatura (com L maiúsculo)
para diferenciar daquela que não tem por objetivo essa elaboração, a que
denominaremos literatura (com L minúsculo). Cada uma tem seu lugar, seu espaço,
sua importância e repercute no leitor. O problema está no momento em que elas
desejam se destruir.
Leio
bastante literatura, mas prefiro a Literatura. Stephen King escreve ótimas
histórias, que envolvem o leitor. É uma leitura fácil, apesar dos temas
pesados. Sérgio Sant’Anna, por sua vez, também escreve ótimas histórias, mas a
leitura delas, em vários momentos, é difícil, requer que o leitor volte
páginas, releia frases, preencha lacunas do texto, decifre os subtextos e que
tenha uma bagagem de conhecimento para fruir a narrativa. Ambos fazem
literatura, porém somente o brasileiro faz Literatura. King vende muito.
Sant’Anna bem menos. Os leitores de Literatura são poucos. Compreender uma arte
tão complexa é difícil para a maioria que gosta do mais fácil. Há mal nisso?
Não. Assim como não há nada de mal em buscar uma literatura bem elaborada.
“Literatura é linguagem carregada de significado. Grande literatura é
simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau possível”,
escreveu Ezra Pound.
Há
espaços em que a Literatura é mais valorizada. A crítica acadêmica, por exemplo.
Escritores de literatura reclamam por não serem avaliados por ela. Porém, eles ocupam
o lugar na mente de milhares de leitores, o que causa inveja em alguns
escritores de Literatura. Tentando ocupar o lugar do outro, ambos tentam
ridicularizar o trabalho alheio, seja chamando um de subliteratura, seja
chamando o outro de obra incompreensível, obscura, intelectual demais. Nesse
entrevero, quem perde é o próprio escritor.
Sou daqueles
que acreditam na hierarquia nas artes. A Literatura é superior à literatura,
assim como considero a música clássica superior ao rock, apesar de gostar dos
dois. O leitor que escolha o que ler. E o escritor continue escrevendo para o
público que deseja. Sempre haverá quem o leia, seja em quantidade ou em
qualidade. Eu, repito, prefiro a qualidade.